
O dia chega ao fim às margens do rio Douro e as gaivotas ganham volume, em som e quantidade, num desfile intenso entre uma ribeira e outra — bem tentam ser notadas e, com grande sucesso, conseguem. Mas o protagonista deste espetáculo diário é o sol. É ele que torna as águas cintilantes, conferindo sentido ao nome do rio, enquanto se põe num mergulho no curso do Douro. A platéia assiste a este gran finale de camarote do alto da ponte D. Luís I e no Jardim do Morro. Os mais admirados até aplaudem em pé. E são necessários poucos minutos para que, do intenso dourado, reste apenas uma leve e constante névoa, que em nada ofusca a paisagem da mais despretensiosa cidade portuguesa. Pelo contrário. A noite chega só para reforçar: como é charmoso este tal Porto.
A capital do Norte. A irmã mais discreta de Lisboa. Os muitos títulos do Porto parecem colocá-lo sempre em um plano secundário. No entanto, a "segunda cidade de Portugal", como mais comumente é chamada, caminha a passos largos para se tornar a primeira na preferência dos visitantes. E se aproveita dos seus próprios contrastes. As ruelas estreitas, escuras e até desbotadas do centro histórico ganham vida quando se chega ao Cais da Ribeira, com casarios de fachadas antigas, reformadas e coloridas. Na comparação com outros grandes centros portugueses, Porto tem um certo ar medieval, embora o burburinho seja bastante contemporâneo — principalmente nas galerias de arte, nos modernos traços do arquiteto Álvaro Siza Vieira, nos festivais de música, lojas de design e restaurantes descolados.
O que está em oferta no Porto é o melhor dos dois mundos, do velho e do novo. O toque extra vem de seus azulejos coloridos, que revestem paredes inteiras nos cantos menos previsíveis da cidade. E a descontração, por certo, também está nas roupas penduradas nas janelas, mas principalmente no vinho do Porto — guardado nas caves na outra margem do Douro e onipresente, dia e noite, nas taças de moradores e turistas que visitam a região.
É uma cidade para se descobrir a pé — e haja pernas para subir e descer ladeiras! Mas os caminhos e, sobretudo as vistas que se tem dos pontos mais altos, compensam. Um roteiro pela cidade inclui o mirante 360 graus na Torre dos Clérigos, uma imersão aos cenários que teriam inspirado Harry Potter ao primeiro passo adentro da Livraria Lello, uma pausa para descanso e contemplação no terreiro da Catedral da Sé do Porto e um passeio sobre as estruturas de ferro da D. Luís I, uma das tantas pontes que são marcas da cidade. Do outro lado, está Gaia, onde todos os caminhos levam às caves de vinho do Porto. E ainda tem o rio, sempre ali, a enfeitar a paisagem e convidar turistas a embarcarem em passeios de barco pelo Douro, uma curta travessia pelas águas que guardam muito da história de Portugal.
Se a comparação com Lisboa é inevitável, é bom que se saiba: o turismo no Porto cresce ano após ano, mas as filas ainda são menores se comparadas com as que se estendem nas portas das principais atrações lisboetas. Os preços também são mais modestos, diga-se de passagem. E muito embora não seja uma cidade assim tão grande, há muito o que fazer no Porto, diversos restaurantes onde comer e bons centros para compras — o que torna a ideia de um bate-volta desde Lisboa claramente não promissora. Porto pede e merece mais do seu tempo.
A gastronomia é de primeira, com pratos do norte português, em que frutos do mar dividem o cardápio com embutidos e comidas reforçadas, dignas de regiões mais frias. A cidade tem vida noturna, povo acolhedor, a beleza característica da foz de um rio e um balneário, Matosinhos, que fica a meia hora do centro histórico e rende um alívio praiano nos dias mais quentes. É daqueles lugares que oferecem aos seus visitantes simplesmente tudo o que têm — e não é pouca coisa.
Já faz alguns séculos que os portuenses apelidaram a cidade de A Invicta — muito devido à sua resistência histórica. Mas há vários outros motivos para chamá-la assim. E você não vai precisar de muito tempo nesse charmoso Porto para entender o porquê.